Belmiro Gomes, presidente do Assaí Atacadista e 1º vicepresidente da ABAAS, fala sobre o impacto da retomada econômica para o setor, analisa as perspectivas para 2020 e diz o que é preciso fazer para continuar avançando.
Por Aluizio Falcão Filho
Poucos setores cresceram tanto nos últimos anos quanto o atacarejo. Com a retomada econômica – e as perspectivas de aumento do consumo –, o principal desafio para seguir crescendo é aperfeiçoar a experiência de compra dos clientes. Essa é a avaliação de Belmiro Gomes, presidente do Assaí Atacadista e 1° vice-presidente da ABAAS. Na entrevista a seguir, o executivo detalha o que o segmento tem feito para expandir os negócios, diz que a aproximação com a indústria é essencial para ampliar a oferta de produtos e explica por que a reforma tributária é essencial para o país.
Quais são as suas expectativas para 2020?
Nós estamos animados para o ano que vem e continuaremos investindo no país. Queremos iniciar 2020 com mais dez lojas em construção e, nos próximos anos, teremos investimentos da ordem de R$1 bilhão. Quanto ao mercado e à economia, a perspectiva é de melhora com a entrada dos recursos do FGTS, a divulgação do índice da queda do desemprego e, principalmente, a queda da taxa de juros.
Nos últimos meses, houve uma aproximação maior entre o atacarejo e a indústria. Como será essa relação em 2020?
É uma relação que ainda não está no melhor formato. Existem alguns ruídos, alguns desconfortos, mas é verdade que estamos cada vez mais em sintonia. Quando a gente olha para o lado do consumidor final, o setor vende mais barato porque tem custos operacionais baixos, e não porque compra mais barato do fornecedor. Mas você percebe também que algumas indústrias, na questão de custo, estão tentando capturar as vantagens que o setor como um todo oferece.
Vamos supor que o Brasil encerre o ano dentro dos parâmetros que o Banco Central está prevendo, de crescimento da economia em torno de 1%. Podemos dizer que 2020 será um ano pós crise ou ele ainda será um ano para que indústria e a redes de atacarejo sigam fazendo a lição de casa?
A expectativa que eu tenho é de uma melhora na economia. Temos a menor taxa básica de juros da história e existe a expectativa no aumento do nível de investimento. Estou confiante.
Que mudanças precisam ser feitas para favorecer o crescimento do atacarejo no país?
É um setor novo, que cresceu muito rapidamente e caiu no gosto da população brasileira. Mas precisamos ter uma atenção especial aos microempreendedores, que são nossos grandes aliados. Essas pessoas jurídicas enfrentam dificuldades e precisam de um capital de giro para realizar compras maiores.
Com a melhora que se espera para o ano que vem, podemos pensar em alguma mudança de mix de produtos ou é cedo para isso?
Acho que é muito cedo para ver essa questão de aumento de sortimento. Quando a gente olha para os últimos anos, o segmento teve um avanço significativo na quantidade de itens. O aumento de opções tende a esperar ainda uma melhora mais consistente da economia.
Durante o período de crise, o setor foi beneficiado pelo custo mais baixo dos imóveis. Como o reaquecimento do mercado imobiliário pode afetar os negócios do atacarejo?
Você vai ter uma disputa muita mais intensa por descontos. Os imóveis com um preço mais em conta terão uma procura muito maior e a tendência é que a negociação com os locatários seja um pouco mais dura.
Falando da questão tributária. Um ponto importante é a necessidade da simplificação dos tributos. Dentro dessa perspectiva, que mudanças você vê para o Assaí e para o setor como um todo?
Há uma demanda forte, uma percepção de que a carga tributária incomoda e impacta no preço. Quando a gente olha para as contas públicas, há muita expectativa de que a reforma ocorra. Atualmente, uma das grandes questões com a reforma é a complexidade do sistema tributário brasileiro.
A quantidade de pessoas, customizações, obrigações, arquivos, exigências e normas é mais nociva do que a própria carga tributária em si. A quantidade de tributos que a gente tem nos obriga a imprimir duas toneladas de papel por ano. Você tem uma quantidade alta de infrações. Não é porque a pessoa não pagou o tributo, mas porque é difícil saber qual é a alíquota que incide sobre aquele produto, qual é o tratamento tributário. Temos mais gente hoje na área tributária do que na área comercial. Então, qualquer medida que venha acompanhada da reforma tributária, que seja uma oportunidade de simplificação, de resolver a quantidade de informações duplicadas, será importante.
Há uma aproximação cada vez maior entre atacarejo e indústria. O que ainda pode ser melhorado?
É uma relação que ainda não está no melhor formato. O atacarejo entrega um produto mais barato ao consumidor final porque tem um custo operacional mais baixo, e não porque compra por um preço menor do fornecedor. Mas a gente já vê uma mudança de estratégia de algumas indústrias que querem capturar as vantagens do nosso formato. Então acredito que a relação pode melhorar com a redução dos preços.
Além do preço, o que mais precisa ser feito?
Houve uma migração muito forte do consumidor final para o atacarejo. Então é preciso reforçar a presença de promotores da indústria para garantir o abastecimento adequado das lojas. Precisamos também ter um diálogo melhor.
A Colgate-Palmolive tem sido usada como exemplo de empresa que tem se destacado nessa relação. O que a companhia tem feito de especial?
Exatamente. A empresa tem trabalhado melhor com todos os canais, de forma que consegue diferenciar embalagens e criar produtos específicos para o setor. A companhia conta com uma política para evitar conflitos entre atacadistas e varejistas. Tudo isso se reflete em uma melhor logística e abastecimento das lojas. Ela tem sido a melhor referência do que é preciso ser feito para aproximar mais o segmento e a indústria.
Existe alguma tendência do mercado do exterior que a gente começa a enxergar aqui? O atacarejo brasileiro está mais na vanguarda do que no exterior?
Temos observado os avanços do exterior e a avaliação é que o setor no Brasil é muito competitivo. Nos Estados Unidos, você vê um mercado muito especializado para as famílias. Você olha o mercado europeu e é especializado para as pessoas jurídicas. O Brasil já tem a fusão desses dois públicos em um único ambiente. O que o mercado nacional precisa fazer é melhorar o padrão de loja, equipamentos, atendimento, qualidade de piso, iluminação, entro outros detalhes.
Hoje em dia, qual é a principal demanda do público?
O atendimento tem uma demanda intensiva. Localização passou a ser um ponto importante. Há uma condição do consumidor que deixa de tolerar algumas deficiências que o canal tinha antigamente. As lojas hoje têm uma preocupação muito maior com atendimento e produtos. Por incrível que possa parecer, o preço estava em quarto lugar em termos de prioridade. Outros fatores apareciam na frente, como checkout, facilidade para estacionar, localização da unidade. Então foram feitas melhorias nos últimos anos.
Especificamente, o que o Assaí fez para se adequar?
Utilizamos essas informações, essas percepções dos clientes, na unidade que abrimos no Shopping Aricanduva, em São Paulo. Essa é a loja mais moderna da rede. O checkout, por exemplo, que veio da Itália, agilizou a leitura dos códigos de barra. Também melhoramos a iluminação. Então o grande desafio do setor é conseguir melhorar as ambientações. Conseguir lidar com um mercado mobiliário mais caro, especialmente quando vai para regiões mais centrais, sem perder sua proposta original de preços baixos.
Que ganhos vocês tiveram com essas melhorias?
Conseguimos acessar públicos de classes sociais mais elevadas. Uma parcela da população que muitas vezes tinha receio de comprar numa loja de atacarejo.
A conferência de compras é um padrão nas redes de atacarejo, mas muitas vezes incomoda os consumidores. Como lidar com isso?
É um tema que tem recebido diversas legislações em cidades diferentes, muitas até proibindo a conferência de mercadoria. Nós, como os demais associados, queremos montar uma ação para primeiro esclarecer que a conferência é normal no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, qualquer pessoa que for a uma loja vai ver que, além da conferência, tem ainda o checkout. O consumidor é informado da necessidade de conferência. Aqui no Brasil, mesmo com alguma interferência das autoridades, a gente já percebe que o consumidor é um pouco mais compreensivo. A nossa avaliação é que ele é soberano da sua decisão e não é necessária uma tutela do estado, como se o consumidor fosse uma criança inocente que não sabe o que pode ou não.
Para esclarecer, então: por que essa conferência é realizada?
O atacarejo, diferente do varejo, vende produtos em caixas fechada e unidades. Então, muitas vezes você só tem um código de barras. É feito isso para corrigir possíveis erros. Isso também ajuda a reduzir as perdas no setor, o que favorece o consumidor. Tudo que conseguimos reduzir de custos operacionais passamos em descontos para os clientes. Mas cabe a nós melhorar a comunicação com o consumidor para que ele não se assuste no final da compra.