Virgílio Villefort, presidente da ABAAS e do Villefort Mais Barato Todo Dia, fala sobre as perspectivas do setor em 2019, o desempenho das redes no primeiro trimestre e de seus planos à frente da associação
Por Pedro Hallack
Ser o canal do varejo com maior penetração nos lares brasileiros não é o bastante para o atacado de autosserviço, conhecido popularmente como “atacarejo”. Para Virgílio Villefort, presidente da ABAAS (Associação Brasileira dos Atacadistas de Autosserviço) e do Villefort Mais Barato Todo Dia, o principal objetivo do segmento é ser cada vez mais reconhecido como um ator importante na indústria, que passa por transformações significativas desde o início da crise econômica no país, em 2014. A corrosão do poder de compra da população levou muitos consumidores a optar pelos preços mais atrativos do setor, que atraiu parte do público de supermercados, hipermercados e mercearias. Segundo Villefort, o cenário está começando a mudar. Apesar de a retomada ser lenta, a economia se recupera desde 2017, quando o Brasil voltou a registrar avanços no Produto Interno Bruto (PIB) – 1% no período e 1,1% em 2018. A alta impõe um grande desafio ao setor e o objetivo agora é manter a clientela conquistada nos últimos anos. Levando em consideração o que aconteceu nos Estados Unidos, onde o atacarejo continuou firme no pós-crise (2008-2009), o executivo afirma que o segmento continua a ser “a bola da vez”, com potencial para crescer ainda mais.
Quais são as perspectivas do setor para 2019?
O atacarejo é a bola da vez. Nosso segmento vem crescendo acima de outros canais mais tradicionais do varejo, como hipermercados e supermercados. O modelo está atraindo consumidores que preferiam outros tipos de estabelecimentos para realizar suas compras. Exemplo disso pode ser visto na venda de bebidas, que passou a migrar para nossas lojas após a aprovação da Lei Seca – responsável por transferir parte do consumo que era feito em bares e restaurantes para os lares brasileiros. O atacarejo é um dos únicos setores que vêm em uma forte arrancada desde 2014, quando a crise econômica começou no país.
Outros segmentos estão migrando para o atacarejo?
A maioria das grandes redes está abrindo lojas no modelo atacarejo. Boa parte dos atacadistas distribuidores também está experimentando o modelo. No passado, os atacadistas tinham vários regimes especiais em seus Estados, mas essas vantagens vêm sendo reduzidas pelos próprios governos estaduais. Além disso, os Estados vizinhos criaram a Lei de Proteção, grosando desses créditos de benefício concedidos em outros Estados da Federação, tornando esses regimes praticamente inócuos. É o caso específico de Minas Gerais. Toda mercadoria que vem de outro Estado onde um determinado atacadista tem o benefício fiscal só pode ser creditada exatamente pelo valor do imposto pago por lá. Ou seja, se ele pagou só 1% de imposto no seu Estado, a empresa em Minas só aproveita 1%. Mesmo se ela mandar a Nota Fiscal com 12%, o Estado de Minas Gerais grosa 11% de crédito (regulado pela Lei 3166 do Estado de Minas Gerais). Principalmente em função disso, parte do faturamento desse segmento migrou para o atacarejo e alguns, para não continuar perdendo vendas, estão abrindo lojas no modelo.
O atacado distribuidor vai se adequar a qual modelo?
É difícil falar de um negócio onde eu não atuo, mas acho que eles irão acompanhar o formato americano e irão trabalhar em um raio de atuação de 150 km a 200 km da sua base, dentro de seu próprio Estado.
Muitos varejistas, atacadistas e distribuidores estão abrindo lojas no modelo de atacarejo. Isso vai se consolidar no futuro?
Já houve uma euforia no passado. O próprio Sendas e o Paes Mendonça abriram atacarejo na época, assim como outras redes que estão aí hoje e acabaram paulatinamente transformando as lojas novamente em varejo.
O que motivou o crescimento do atacarejo acima da média nacional?
Nossa operação é mais enxuta. O custo mais baixo acaba sendo repassado ao consumidor. Como a renda da população foi afetada pela crise, os preços mais baixos que oferecemos passaram a ser um atrativo importante na hora de as famílias decidirem onde comprar. As reportagens espontâneas que saíram na grande imprensa, com depoimentos de consumidores favoráveis ao setor, também contribuíram para esse crescimento.
Apesar de a retomada ser lenta, a atividade econômica começa a se recuperar. Como o setor deve se posicionar com o aumento na renda da população?
Nos Estados Unidos, as crises recentes de 2008 a 2009 fizeram muita gente migrar para os atacarejos (chamados de cash and carry nos EUA), que funcionavam em um modelo muito parecido com o brasileiro, de baixo custo. Após o modelo do cash and carry crescer muito em um primeiro momento, todos acharam que a recuperação da economia faria as vendas estagnarem, ou até mesmo caírem. Contudo, aconteceu o contrário. Quem experimentou o modelo gostou e continuou comprando nele, fazendo o canal crescer ainda mais. O Costco, por exemplo, já é a maior rede atacadista dos Estados Unidos e hoje em dia um dos líderes mundiais do setor, perdendo somente para o Walmart. O mesmo ocorre no Brasil. As pesquisas da Nielsen indicam que nossos clientes estão gostando do modelo, que tem a maior penetração nos lares brasileiros. Acredito que o gosto pelo nosso negócio está garantido.
Qual é o principal desafio do segmento?
Continuar crescendo no ritmo atual. Para isso, temos que cumprir um grande objetivo no curto prazo, que é sermos reconhecidos como um player importante no mercado varejista. Temos conversado muito com os nossos fornecedores e, principalmente, discutido os assuntos comuns entre os dirigentes da ABAAS, formada por catorze empresas. Cada vez mais companhias têm criado diretorias específicas para o canal, percebendo nossa importância estratégica para o setor.
A ideia é ampliar o número de fornecedores para aumentar a oferta de produtos?
Não necessariamente. Queremos que o fornecedor conheça nosso negócio e desenvolva soluções que se adaptem à nossa realidade, como embalagens próprias, por exemplo. Também estamos desenvolvendo um trabalho junto ao nosso Comitê de Prevenção de Perdas para identificar os fornecedores que apresentam o maior número de falhas na entrega de produtos. Em um modelo que depende do baixo custo para sobreviver, toda perda é muito sentida.
Qual a importância da embalagem própria para o atacarejo?
Facilita a nossa operação, baixando nosso custo, e acaba contribuindo para o cliente levar um pouco mais do produto. Já está havendo um movimento dos fornecedores no desenvolvimento de embalagens próprias para o nosso segmento.
Pensando no consumidor, o setor tem focado em algum público específico?
Antigamente, as classes C, D e E eram as que mais frequentavam nossas lojas. Atualmente, as classes A e B também vão até os nossos estabelecimentos. Todo mundo está querendo economizar. Mesmo quem tem o salário mais alto e costumava comprar em supermercados mais sofisticados começou a migrar para o nosso negócio e está gostando e ficando.
Quais são os planos para os consumidores mais jovens?
A indústria está caminhando em direção a essa faixa etária, pensando em novos modelos, com o e-commerce sendo cada vez mais disseminado. Agora, apesar dessas mudanças, vamos continuar com as lojas físicas. Isso não vai mudar. Todo mundo fala em se adaptar à nova realidade, e isso é bom, mas ainda vemos um movimento de abertura de novos estabelecimentos. O atacadista distribuidor quer abrir, o varejista puro também e por aí vai. O segmento de venda por internet também está abrindo ou comprando lojas físicas, a exemplo do Alibaba e da Amazon.
Qual é a sua avaliação a respeito do desempenho do atacarejo no primeiro trimestre
A avaliação é positiva. Todas as redes estão em um processo de expansão e abertura de lojas, que vem desde o fim do ano passado. Isso está repercutindo agora nos resultados das empresas, que enxergam um cenário mais positivo para a economia nos próximos meses.
O governo tem discutido reformas importantes, como a tributária e a previdenciária. Qual seria o impacto delas sobre o setor?
A reforma da Previdência, já encaminhada no Congresso, é o primeiro passo para destravar tudo. Ela tem que avançar para resgatar a confiança na economia brasileira, enquanto os impostos precisam ser simplificados para melhorar o ambiente de negócios. Nosso gasto é altíssimo com essa confusão tributária existente no Brasil. A complexidade na legislação nos obriga a mobilizar equipes gigantescas de advogados e profissionais especializados apenas para pagar tributos, o que acaba encarecendo a operação. No entanto, apesar desses problemas que vêm de longa data, nosso segmento tem resistido bem e crescido acima da média nacional.
Quais são os seus planos como presidente da ABAAS?
Como foi dito anteriormente, nos aproximar ainda mais de nossos principais fornecedores, organizar eventos anuais para trocar ideias e experiências positivas, incentivar boas práticas, organizar reuniões bimensais que realizamos em nossa sede com todos os presidentes das catorze redes associadas, e promover uma aproximação com a indústria, para que ela possa se adaptar mais rapidamente ao nosso modelo. No dia a dia, discutir aspectos da lei que afetam os negócios e debater a prevenção de perdas e segurança nos comitês específicos que criamos para essas questões.
Fonte: Revista ABAAS nº 8 | Julho de 2019
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